sábado, 20 de junho de 2009

Ângela

Ele apressou o passo na chuva que já principiava. Apesar de ser noite, o asfalto parecia ainda reter o calor de dias de sol, evaporando as gotas que chegavam a poucos centímetros do chão. Ele sentia essa nuvem quente sob os pés, enquanto não sabia mais se andava, se corria, se flutuava. Talvez fosse só a sua cabeça que corresse a flutuar. Empurrou para o lado o velho portão e galgou as escadas com a velocidade de um Hermes. Alcançou finalmente a porta de madeira antiga. Nenhuma luz, nenhum sinal. Nem ao menos o som da música doce que ela sempre escutava a essa hora. Embora? Não. Ele sabia que ela estava ali, e foi ao encostar a cabeça na porta que a sentiu do outro lado, no mesmo movimento.

- Abre, a voz saiu num sussurro.

Do outro lado, a dúvida. O silêncio.

- Abre, por favor, a voz agora era súplica.

Alguém prendeu a respiração. A luz do poste iluminava fracamente a pequena sala, atulhada de numerosos objetos menores ainda. Dois olhos percorreram e mapearam todo o ambiente, sem entretanto guardar nada, e dois pés pareciam afundar-se em uma falta de chão lotada de objetos. Afogada em meio a papéis, copos, travesseiros, livros. Notou o pequeno barco de papel machê, ele parecia crescer em sua direção. Havia nele um pequeno navegante com uma lanterninha, alcance o barco para se salvar, pensou... Por quê? O que ele tinha vindo saber, afinal?

- Ângela... um fôlego cansado chamara do lado de fora. Por favor, eu sei que você está aí. Me deixa... eu tenho que te dizer uma coisa...

Ela pensou em fugir. Quem disse que ela queria escutar?

Nenhum dos dois se moveu. No céu, o vento soprava cada vez mais forte e várias eram as nuvens carregadas que se uniam sobre a cidade. Mais um pouco e ela seria completamente tomada pelo temporal.

Uma batida leve na porta, abre por favor. Eu te peço. Só essa vez.

A promessa de uma única vez não a agradou. Então era isso.

- Não.

O sangue corria ligeiro na sua cabeça. A voz parecia não ter saído de dentro dela, mas sim da sala inteira.

- Eu só preciso que você saiba...

- Eu não quero saber. Vai embora.

Não era mais sussurro. Agora tudo parecia mais firme.

- Eu tenho que te explicar algo...

- Eu já sei, eu já sei, ela colava-se à porta e duas lágrimas chegavam ao chão. Eu não preciso que você me explique. Não sou burra, já entendi...

- Ângela, não faz isso comigo...

- Não, nunca faria! É essa a diferença!

- Por favor...

- Vai embora!

Um murro explodiu pelo lado de dentro. Os passos atravessavam o pequeno cômodo três vezes por segundo. Na rua, a chuva caía ainda fina. O vento soprava com uma certeza de que ela seria constante por um longo tempo. Ele sentou-se no vão entre a porta e o corredor. Ele parecia vazio, já era tarde, apenas uma luz acendeu-se ao final da fileira de portas.

- Eu não saio daqui. Não saio, até você abrir e me escutar. Preciso saber se você vai ficar bem...

- Que importância tem?

- Tem muita importância para mim.

- Juro que não pareceu.

A voz estava afastada. Mas então, o que fazer agora? Ele precisava falar.

- Ângela... volta aqui. Vou falar sem que você precise abrir. Não precisa me ver se não quiser, mas me escuta...

- Sempre as suas vontades, a voz reverberava pelo ambiente interior. Pois desta vez, não.

- Eu não terminei de te falar...

- Já disse que entendi!, o grito de Ângela despertou mais um vizinho. Vai embora, disse enquanto escorregava até o pequeno sofá-cama, derrubando o que havia sobre ele. O pequeno navegante do barco tombou ao chão, com sua lanterninha apagada. Antigamente ela acendia?, pensou. Definitivamente não conseguia se lembrar. Mas então era isso... prisioneira atrás da sua própria porta, não.

- Você não entendeu nada... por isso quero te explicar o que aconteceu. Preciso te ver...

Só agora notara que estava todo molhado, a chuva e o suor se misturando aos pensamentos e aos cabelos. As mãos de Ângela, os dedos dela entre eles. Então... tudo parecia tão irreal! Como ele havia chegado ali, como em uma fração de noite tudo havia terminado daquela forma? Afinal, tudo parecia tão certo, o caminho era mesmo um só. Era mesmo?

- Abre, insistia já sem forças. Silêncio. Um vulto passara na rua. Mas como...?

Ele então se lembrara da minúscula janela da cozinha. Desceu as escadas quase de um único lance, alcançou o portão aberto e ainda teve tempo de vê-la ao longe, correndo em direção ao parque, sob a luz fraca de um poste que falhava, iluminando algumas gotas da chuva. Ia descalça. Seus passos trêmulos davam a noção da noite gélida que se iniciava em meio ao mormaço do asfalto molhado. Ângela... a voz dessa vez soou como uma perda.



(Jussy)

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Matando o tempo...

Tempo abre, tempo fecha
O tempo faz chover e faz lavar
O tempo faz amanhecer e de novo ensolarar
O tempo dura muito ou pouco
Depende de quem e do lugar
O tempo bate na minha janela
E me diz que pode até curar...
Mas ainda vai demorar um tempo.


Jussy

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Chuvas de Janeiros

"Janeiro é mesmo assim
De gotinha em gotinha
Vai chegando ao fim
Seja bom
Seja ruim..."

Jussy

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Tom Azul

Ali em cima da cama algo me espera
Meu lençol fino
Meu travesseiro frio
Meu violão num canto
Nosso retrato.
E você me espera em sonho...
Então tudo é maciez e carinho
É música.

domingo, 16 de novembro de 2008

O que era doce



De conversas que não começaram
Sobre assuntos que não têm fim
Ficamos assim
Mudos
Calados
Silenciosamente misturados
Água e óleo no mesmo frasco
Ou pior: abrindo a boca sobre qualquer coisinha
Disfarçando o ócio
Entre palavras básicas
Até mesmo ácidas
Descobrimos a receita de fazer azedar o doce
Como um suco de laranja que esperou demais
E teve que ser jogado fora.



Poesia encontrada hoje no meu antigo caderninho...